Iniciado projeto que pode redefinir atuação da Clínica de Repouso
Proposta sinaliza caminhos para recuperação da Clínica de Repouso
A juíza da 3ª Vara da Comarca de Adamantina, Ruth Duarte Menegatti convocou a imprensa, os demais juízes locais e dirigentes religiosos católicos e espíritas para a apresentação inicial do projeto que pode redefinir a atuação da Clínica de Repouso Nosso Lar, dentro de um anova reconfiguração física, organizacional e conceitual.
A apresentação foi na tarde de ontem (8) no escritório do arquiteto Pedro Garcia Lopes, que se dispôs, voluntariamente, a redefinir a disposição física das instalações, e dentro de quatro a cinco meses deve apresentar o projeto que revitaliza o lugar e coloca o espaço em sintonia com os novos parâmetros da saúde psiquiátrica.
Além da juíza Ruth Duarte Menegatti e do arquiteto Pedro Garcia Lopes, participaram também o consultor em gestão sustentável Nelson Fernandes Júnior, que atuou junto ao Ministério Público (MP) local, no pente fino sobre as condições financeiras, organizacionais e documentais da Clínica; os outros dois juízes da comarca, Fábio Alexandre Marinelli Sola (1ª Vara) e Carlos Gustavo Urquiza Scarazzato (2ª Vara); os padres Rui Rodrigues Silva (Paróquia Santo Antônio) e Marcelo Antônio Santos (Paróquia Nossa Senhora de Fátima); e a representante da comunidade espírita, Ivoni Gonçalves Ramos (Ave Cristo).
Com o projeto de reforma das instalações e a nova proposta de atuação (leia mais abaixo), o desafio seguinte é buscar recursos para promover essas mudanças. A aposta da juíza é sensibilizar a sociedade na tentativa de levantar os recursos, dentro de um trabalho que projete confiança entre os colaboradores e, de fato, contribua para a vida das pessoas assistidas por esses serviços. Foi sinalizada ainda a possibilidade de converter multas judicias para essa finalidade.
Nova proposta
A nova proposta encabeçada pela juíza Ruth Duarte Menegatti visa reconfigurar a atuação da Clínica de Repouso, para um atendimento que vá além das questões psiquiátricas, passando por atividades terapêuticas, educacionais, de inserção social e outras, integradas à comunidade e aos serviços de saúde que atuam nessa área, como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e Residências Terapêuticas.
Outro desafio é promover ações voltadas a crianças e adolescentes, inclusive educacionais, terapêuticas e preventivas, com o objetivo de minimizar ou reduzir os casos que doenças que eventualmente possam precisar dessa intervenção em idade futura.
O consultor Nelson Fernandes Júnior – além de promover o pente fino em torno das condições financeiras, organizacionais e documentais da Clínica, por solicitação do MP, no âmbito do inquérito civil que investiga a instituição – tem uma atuação junto ao Hospital Bezerra de Meneses, de Presidente Prudente, onde vivenciou desafios semelhantes, em especial com a humanização hospitalar e o resgate de vidas.
Sobre os aspectos físicos da Clínica de Repouso, ele destacou que a estrutura foi projetada na década de 60 e sua edificação nos anos 70 e 80, pensada para os conceitos da época, e que desde então promove a contenção dos pacientes. Segundo ele, esse modelo segrega, enquanto outras propostas podem trazer respostas mais positivas ao tratamento dessas pessoas.
Para o arquiteto Pedro Garcia Lopes, o desafio é promover uma nova ambientação, novos fluxos internos e buscar a melhor utilização do lugar. “O espaço, hoje, não acrescenta e não auxilia em nada. Só agrava”, defende. “Cada um é fruto do meio em que vive”, completou.
Diagnóstico da Clínica
Em sua fala, o consultor Nelson Fernandes Júnior revelou os primeiros resultados do seu trabalho, realizado junto ao MP, e pontuou que a instituição é deficitária desde 1997. “O patrimônio já não cobria as dívidas”, disse.
Assim, desde 1997, a Clínica vivencia uma rotina de dificuldades. “São vinte anos de uma estrutura pouco contemplada pelas políticas públicas na área da saúde”, observou. “A instituição tem suas limitações e as pessoas ali são assistidas por um modelo precário”, completa.
A instituição foi criada em 1986 e acumula hoje cerca de 30 milhões em dívidas previdenciárias e fiscais.
Segundo o consultor, o déficit médio mensal é de R$ 50 mil, dentro do atual modelo. A Clínica recebe R$ 228 mil mês, via SUS, para seu custeio. Já no modelo preconizado pelos órgãos reguladores da saúde, cumprindo com todas as exigências, o custo médio mensal dos serviços seria de R$ 450 mil, o que é inviável, considerando o cenário local.
O caminho, segundo Nelson Fernandes Júnior, é formatar um modelo alternativo, respeitando as características locais e regionais, mas que se construa dentro de mudanças físicas, estruturais e conceituais, para o atendimento a esse público. Ele acredita que os recursos já recebidos hoje via SUS, de R$ 228 mil/mês, são suficientes para tocar esse novo modelo.
TAC e os próximos passos
No encontro foi anunciado que deverá ser celebrado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre o Ministério Público, Município e Estado, pactuando metas e responsabilidades na gestão da Clínica, com vistas a permitir a continuidade de suas ações, dentro da nova reconfiguração defendida pelo Poder Judiciário.
Entre as possíveis medidas que poderão ser pactuadas pelo TAC está a nomeação de um conselho gestor com representantes da sociedade civil, e a designação de uma equipe de alta gestão formada por funcionários administrativos engajados e que já tomam a frente dos problemas diários vividos no lugar. Esses funcionários já foram inclusive mapeados, pelo trabalho que realizam, com empenho, para a sobrevivência do lugar. O TAC descarta, inicialmente, a hipótese de intervenção na instituição.
Hoje a Clínica conta com 144 leitos, sendo que um terço é ocupado por pacientes residentes, outro um terço são pacientes que estão no lugar mediante determinação judicial e o último terço com pacientes vindos de toda a região da Diretoria Regional de Saúde (DRS) de Marília.
Para a migração ao novo modelo, o consultor Nelson Fernandes Júnior defende a redução imediata para 120 leitos, buscando uma racionalidade que julga ser mais coerente para a situação vivida hoje e o projeto em curso.
Com o TAC firmado e definido o conselho gestor, o desafio, no âmbito das dívidas, é tentar anistia ou moratória, o que pode eventualmente ocorrer no volume das dívidas fiscais junto à Receita Federal do Brasil, o que depende de um trabalho técnico e político, em torno dessa demanda.
No encontro, foi mencionado que as verbas para custeio recebidas via SUS e as instalações onde a Clínica funciona não são penhoráveis, o que garante, em tese, o recebimento integral dos recursos mensais.
Não foram encontradas irregularidades
Na varredura documental realizada pelo MP no âmbito do inquérito civil que apura eventuais irregularidades na administração da Clínica de Repouso, não foram encontradas irregularidades decorrentes de má fé, nos documentos pesquisados. “Não houve qualquer desonestidade, apenas falhas de gestão”, disse a juíza Ruth Duarte Menegatti.