STJ anula provas e absolve homem preso por tráfico de drogas em Flórida Paulista
Caso ocorreu em outubro de 2023. Advogado argumentou ter havido falha na ação policial.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, anulou as provas obtidas em uma abordagem policial realizada pela Polícia Militar em Flórida Paulista em outubro de 2023 e absolveu um dos réus presos que havia sido condenado em abril do ano passado pelo Poder Judiciário em Flórida Paulista por tráfico de drogas e associação para o tráfico. Assinada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a decisão do STJ é datada da última quinta-feira, 24 de abril.
O ministro reconheceu a nulidade das provas obtidas por meio da busca pessoal e domiciliar e, consequentemente, absolveu o homem preso. Conforme o advogado Bruno Félix de Paula, a decisão obtida no STJ foi recebida pelo Fórum de Flórida Paulista, que expediu o alvará de soltura na sexta-feira, dia 25.
A ação policial que iniciou o caso, em 6 de outubro de 2023, levou dois homens à prisão em flagrante sob acusação de tráfico de drogas, sendo um de 21 anos, que conduzia um automóvel no percurso Adamantina a Flórida Paulista, e outro de 28 anos, que era um dos quatro passageiros do veículo. Este, de 28 anos, foi inocentado pela decisão do STJ.
Nas buscas pessoais, em outubro de 2023, os policiais encontraram uma porção de cocaína na mochila do condutor do automóvel. Dando prosseguimento às diligências, encontraram 152 invólucros contendo cocaína na casa do mesmo condutor. Já na casa do segundo envolvido, o passageiro de 28 anos, foi encontrada uma balança com resquícios de cocaína.
Os dois envolvidos presos em flagrante em decorrência da abordagem foram liberados após a audiência de custódia, já no dia seguinte, para responderem às acusações em liberdade.
Pouco depois, na conclusão do inquérito policial, foi requerida a prisão preventiva dos dois, que teve manifestação favorável do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), e decretada pela Justiça de Flórida Paulista. Na ocasião os dois foram recolhidos ao Centro de Detenção Provisória (CDP) de Caiuá, onde acompanharam presos a evolução do caso.
Na tramitação processual o MPSP requereu a condenação da dupla. Nessa etapa pela Justiça de Flórida Paulista os advogados de defesa pleitearam condições que favorecessem os dois homens presos. Um dos pontos foi a argumentação jurídica que apontava possíveis falhas na obtenção das provas, na abordagem policial.
O julgamento pela Justiça de Flórida Paulista ocorreu em 30 de abril do ano passado. O condutor do automóvel, que confessou a propriedade da droga, foi condenado a cinco anos de reclusão em regime inicial fechado e ao pagamento de 500 dias-multa. O segundo envolvido foi condenado a cinco anos e dez meses de reclusão em regime inicial fechado e ao pagamento de 583 dias-multa. Desde a condenação, os dois foram transferidos ao CDP 2 de Pacaembu.
O advogado de defesa desse segundo envolvido recorreu da decisão em instância superior do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), reapresentando, entre os argumentos jurídicos, possível ilegalidade na obtenção das provas. Em dezembro do ano passado a Corte paulista seu negou recurso.
Sem sucesso no TJSP, o advogado recorreu ao STJ em Brasília. Em uma nova tentativa, reapresentou os mesmos argumentos que já haviam sido levados ao judiciário de Flórida Paulista e no TJSP, onde buscou o reconhecimento da nulidade das provas decorrentes de busca pessoal e veicular apontadas pela defesa com ilegais, em razão da ausência de fundada suspeita para a abordagem policial, e apontando ainda o ingresso dos agentes na residência sem mandado judicial e sem o consentimento dos moradores, o que caracterizaria invasão de domicílio.
Na decisão da semana passada o STJ reconheceu a nulidade das provas obtidas por meio da busca pessoal e domiciliar e absolveu o homem, que era passageiro do carro, embasado no artigo 386, II, do Código de Processo Penal: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) II - não haver prova da existência do fato”.
Com o novo desfecho o ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca determinou que sua decisão fosse comunicada com urgência à origem, para assim ocorrer a expedição do alvará de soltura.
Desde a etapa inicial do processo o advogado de defesa desse segundo envolvido, que era passageiro do carro – onde em sua casa foi apreendida uma balança – argumentava pela ilegalidade dos meios como as provas foram obtidas, na ocasião do flagrante. “Eu aleguei a nulidade da ação policial desde o início, porém o juiz de Flórida Paulista não acatou e condenou ambos os réus. Na sequência recorri para São Paulo, onde a pena foi mantida. Por fim, recorri para Brasília, junto ao STJ, onde o ministro reconheceu a ilicitude da ação policial que abordou os ocupantes do veículo sem justa causa e, consequentemente as buscas domiciliares, e anulou todo o processo, absolvendo meu cliente”, disse o advogado Bruno Félix de Paula ao Siga Mais.
Entenda
A decisão em Brasília que analisou recurso da defesa reconheceu que a abordagem do veículo em que o acusado era passageiro foi feita sem que houvesse fundada suspeita ou investigação prévia que justificasse a ação policial. Segundo o entendimento do STJ, a falta de elementos objetivos torna a revista pessoal e veicular ilegal, violando o que determina o artigo 244 do Código de Processo Penal.
De acordo com os autos, na ocasião do flagrante policiais militares realizavam patrulhamento preventivo no acesso em Flórida Paulista quando abordaram o veículo conduzido pelo denunciado de 21 anos, tendo como passageiro o denunciado de 28 anos, além de outros três ocupantes.
Durante a busca veicular os policiais militares localizaram, no interior da mochila do condutor do automóvel, uma porção de cocaína, tendo ele admitido a propriedade e narrado possuir mais drogas no interior da sua residência. Nas buscas, em sua casa, os policiais encontraram em seu quarto mais 152 papelotes contendo cocaína. Na ocasião ele admitiu a propriedade do entorpecente encontrado em sua casa e indicou o também ocupante do automóvel, de 28 anos, como seu parceiro de tráfico, informando ainda que a droga teria sido adquirida em Osvaldo Cruz para ser vendida em Flórida Paulista, e dividiriam os lucros.
Em posse dessas novas informações ainda no âmbito da ocorrência – ainda conforme os autos – a equipe policial se deslocou à casa do segundo envolvido, apontado pelo condutor do automóvel como parceiro de tráfico. Em buscas na casa dele os policiais localizaram e apreenderam uma balança de precisão.
Em seguida, na peça do STJ, o ministro discorreu a partir do contexto narrado. “Dos trechos acima transcritos, verifica-se que a abordagem policial decorreu apenas do fato do acusado, já conhecido no meio policial por envolvimento prévio no tráfico de entorpecentes, adentrar a cidade vinda de Adamantina, "num veículo em sua lotação máxima". Nesse contexto, constata-se que a busca pessoal foi realizada sem elementos mínimos que indicassem atitude suspeita. Assim, não há se falar em justa causa para a diligência, porquanto sem menção a qualquer circunstância concreta capaz de sinalizar a ocorrência de flagrante delito. Destarte, não obstante a fundamentação da Corte de origem, deve ser reconhecida a ilicitude das provas advindas da busca pessoal, assim como das demais dela decorrentes, uma vez que as circunstâncias fáticas do caso concreto não preenchem o standard probatório de "fundada suspeita" exigido no referido dispositivo”, narra o texto.
Com a declaração de ilegalidade da abordagem, o STJ aplicou a teoria dos "frutos da árvore envenenada", anulando todas as provas obtidas a partir da ação — incluindo a apreensão de droga e de uma balança de precisão. Para o ministro do STJ, sem essas provas, não havia elementos suficientes para sustentar a condenação daquele que era passageiro do automóvel, em cuja casa foi apreendida a balança de precisão. “Nesse contexto, concluo que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de busca pessoal ilícita, realizada sem que houvesse a justa causa para a abordagem policial, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes, inclusive a busca domiciliar subsequente”, prosseguiu.
Assim, o STJ determinou sua absolvição com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, que prevê a medida quando não existirem provas suficientes para a condenação. "Desde o início de minha atuação nesta causa levantei a questão da nulidade da ação policial que deu origem ao processo. Sendo ilícita a ação policial, consequentemente todo o processo se torna nulo, e é exatamente neste ponto que obtivemos vitória junto ao Superior Tribunal de Justiça em Brasília, que anulou todo o processo e absolveu o meu cliente. É sempre importante o advogado analisar a legalidade das ações dos agentes públicos, visando sempre a garantia dos direitos previstos em lei, evitando abusos e excessos do poder público", destacou o advogado Bruno Félix de Paula.
Possíveis desdobramentos
A decisão do STJ, que reconheceu a nulidade das provas, pode eventualmente beneficiar o condutor do automóvel, que levava em sua mochila uma porção de cocaína, e que em sua casa foram encontrados mais de 150 papelotes da droga. Ele segue condenado. A sentença obtida em Brasília não o beneficia, diretamente, mas poderia embasar sua defesa em novas movimentações nos tribunais.