Liminar garante repasses do SUS à Clínica Nosso Lar
Decisão proíbe Município e Estado a exigirem CND, já que a Clínica está negativada.
Por meio de liminar concedida na quinta-feira (9), o juiz da 1ª Vara do Fórum da Comarca de Adamantina, Fábio Alexandre Marinelli Sola, determinou que a Prefeitura local e Estado deixem de exigir da Clínica de Repouso Nosso Lar a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais, de regularidade junto à Receita Federal, e assim possa ser restabelecido imediatamente o repasse de recursos do SUS para o custeio do lugar.
O pedido de liminar foi realizado pelo Ministério Público Estadual da Comarca de Adamantina, em ação civil pública sobre o caso. Ao acolher o pedido do MPE, o juiz prorroga o convênio nº 001/2014, firmado entre a Clínica e o Município, que garante o repasse mensal de $ 218.315,54, via SUS, para as atividades do hospital, que atua na área de psiquiatria, para uma população regional de 90 mil pessoas de 11 municípios da Nova Alta Paulista.
O convênio, de 2014, terminou em 31 de dezembro do ano passado. No entanto, diante da Clínica não possuir as CNDs que atestem sua regularidade fiscal, o mesmo não pôde ser renovado. Assim, desde 1º de janeiro a instituição funcionava sem previsão de recebimento dos recursos vindos do SUS, imprescindíveis ao seu funcionamento.
Agora, com a decisão da Justiça, a prorrogação do convênio se dá com amparo judicial, o que traz segurança administrativa e jurídica ao Município e à instituição.
A liminar determina que o Município faça o repasse do recurso do SUS à Clínica em até 24 horas, sob pena de multa de R$ 1 milhão por mês.
Preocupação social
Em sua decisão liminar, o juiz contextualiza o cenário de precariedade administrativa e econômica, vivida pela Clínica, e que se tornou mais evidente no início deste mês, com a impossibilidade da renovação do convênio de repasses de recursos, por falta de CND.
Inúmeras razões levaram a instituição a se tornar deficitária por anos, o que gerou agora volume imenso de tributos não recolhidos. A dívida, previdenciária e fiscal, é em torno de R$ 30 milhões. ““Este descompasso veio à tona de forma mais contundente, nos últimos dias, como é de conhecimento comum, quando foi aventada a hipótese do encerramento das atividades do nosocômio, o que de plano levou a intensa preocupação da sociedade local. E a razão é óbvia”, disse o juiz Fábio Alexandre Marinelli Sola, em sua decisão liminar.
Segundo o magistrado, a Clínica é uma instituição de saúde pública sem similar em sua área de abrangência, que atende de “questões de máxima sensibilidade, ou seja, atende os mais diversos enfermos mentais da região, tendo inclusive diversos ‘moradores’ que não possuem capacidade de sobrevivência sem os cuidados especializados”, diz a decisão.
Diante deste quadro, a sociedade adamantinense tem se mobilizado e empenhado na busca de caminhos que garantam a reestruturação e o saneamento da instituição.
Ainda na sua decisão, o juiz cita como exemplos de mobilização local as campanhas realizadas voluntariamente e por diversos grupos de serviço em redes sociais para a obtenção de alimentos e materiais de limpeza para manutenção; mobilização de vereadores em reuniões para estudar auxílio à instituição; reunião de entidades religiosas (católicas e espírita) para viabilizar nova administração à clínica; e estudo técnico de reforma/remodelagem da instituição por arquiteto para melhora do ambiente e, por consequência, do tratamento prestado com doação de empresas e pessoas do município (veja mais aqui).
Com esses argumentos, sobretudo para garantir o suporte a pacientes psiquiátricos assistidos pelo SUS, da região, o juiz reforça os aspectos motivadores da sua decisão. “A tanto, como medida básica, foi realizada auditoria prévia que aponta, ainda que em sede preliminar, sua viabilidade econômica, desde que adotado plano de recuperação. Enfim, está a entidade em situação transitória em busca de um norte que lhe permita o cumprimento da missão a que constituída, de inegável importância, sem que continue a gerar débitos. Logo, a única conclusão razoável é que não se pode, agora quando a sociedade se empenha à correção do rumo da entidade essencial ao atendimento de pessoas pobres e enfermas, permitir pela falta de repasses o encerramento de suas atividades, o que em nada interessa até mesmo aos requeridos [Prefeitura e Estado]”, argumenta o juiz.
Olhar além da lei
A decisão do juiz é uma válvula de escape diante dos impedimentos trazidos pela Constituição Federal, em seu parágrafo 3º do artigo 195, onde fixa que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
Segundo o juiz, “é certo que a essencialidade de qualquer entidade não pode servir de justificativa para o descumprimento das normas legais, indefinidamente”, escreve. “Todavia, obviamente, as normas devem ser interpretadas de acordo com a sua essência. Certamente não se pode admitir que qualquer entidade que mantenha dívida com o Estado venha a receber ‘benefícios’, ‘incentivos’ ou até mesmo que ‘contrate’ com o Poder Público para seu engrandecimento. Porém, no caso vertente, tem-se situação absolutamente diversa. Os valores recebidos devem ser empregados na função precípua, ou seja, no tratamento de enfermos. A entidade, como se vê nas diversas execuções fiscais em trâmite nesta Comarca, não possui bens que não aplicados na atividade principal. Não há registro de atendimentos ‘particulares’ ou recebimento de valores de planos de saúde. Atende em essência apenas usuários do SUS, ou seja, pobres”, explica Sola.
Na sua decisão, o juiz destaca que, caso a instituição encerre as atividades, será necessário o remanejamento de pacientes (que ficarão a cargo da administração pública) e deverá haver a solução de contratos de trabalho dos funcionários, o que provocaria acarretaria imensos danos sociais aos trabalhadores, à sociedade, aos pacientes, e prejuízo à própria Previdência Social. “Assim, na ponderação de dois interesses legítimos, o do Ministério Público em defesa da entidade que presta serviços essenciais à população pobre e enferma e de outro o interesse do Município e do Estado que não podem deixar de cumprir a legislação em vigor que exige para a continuidade do convênio a regularidade de débitos, apenas uma solução se mostra adequada: a modulação temporal. Enfim, necessária a concessão de prazo para a regularização fiscal, sem prejuízo do atendimento aos enfermos”, completa o magistrado.